Tradução : Antony Devalle
Revisão : Plínio A. Coêlho
Houve um personagem tão sulfúrico quanto Georges Fontenis na história do movimento libertário francês no século XX ? Aquele que sente prazer em se apresentar como “Satã”, “o Príncipe das trevas”, aquele que, há algumas semanas apenas, numa visita anônima à livraria do Monde Libertaire, estendia um cheque ao responsável de plantão da loja dizendo-lhe : “a mão do diabo” ! Aquele, também, que verá seu nome declinado em numerosos artigos e obras históricas como uma espécie de ideologia, o “fontenismo”, e como adjetivo : “fontenista”. Evocar Georges Fontenis não é fácil, uma importante literatura tão diversa quanto apaixonada existe sobre o tema. Diversos textos autobiográficos e teses de universitários, assim como de militantes interessados pela história do movimento, abordam o personagem e frequentemente a argumentação engajada contribui para forjar um mito a respeito dele. Maurice Joyeux redigirá sobre isso, no décimo oitavo número da revista anarquista La Rue, um longo artigo intitulado justamente “O caso Fontenis”.
Na introdução, ele escreve : “Há uns trinta anos, existe no nosso meio um mito. Esse mito é o do caso Fontenis.”. Mito que repousa sobre um único homem cuja presença entre nós foi relativamente curta, seis ou oito anos no máximo, e que só exerceu sua autoridade durante a metade desse tempo. Para os militantes que o sucederam, Fontenis foi o “mau”, o “lobisomem” da fábula, o “horroroso” da tragédia, o “Anti-Cristo” que aterrorizou não apenas uma geração mas também aquelas que seguiram, que não o conheceram mas que o evocam cada vez que uma tal querela ideológica sacode o nosso movimento. O personagem não merecia tal “honra”, nem tal constância nesse papel “clássico” que todos os grupos humanos inventam para se livrar do peso dos seus “pecados” e jogar sobre “Satã” o peso dos seus erros. Considero ridículo esse recurso ao “caso Fontenis” por parte de um certo número de nossos camaradas para explicar ou justificar desacordos. O recurso ao “mau” não é nada mais do que o recurso ao irracional, e a filosofia nos ensinou que somente a literatura lhe fornece o rosto do Fausto de Goethe enquanto ele está em nós e que é aí que precisamos desmascará-lo, mais do que lhe atribuir ao mesmo tempo uma face sedutora e angustiante. E se para exorcizar o diabo basta, dizem os bons padres, falar a respeito, então falemos do caso Fontenis !